sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Mesas de Comunhão destruídas.



De um ponto de vista autenticamente católico, o recurso arquitetônico antigo, para a salvação das almas, deveria voltar”. Sobre a Comunhão de pé, Comunhão na mão e outros erros monumentais.
Grace Kelly (Princesa Grace de Mônaco recebendo a Sagrada Comunhão da maneira católica).
 Grace Kelly (Princesa Grace de Mônaco recebendo a Sagrada Comunhão da maneira católica).
Há alguns anos, o Papa Bento XVI decretou que todas as pessoas que comungassem com ele deveriam se ajoelhar e receber a Sagrada Comunhão sobre a língua. Esta prática era a norma universal antes do Concílio Vaticano II, porém, foi amplamente rejeitada pela maioria dos bispos após o Concílio. A presente opção ou permissão de receber a Sagrada Comunhão de pé e na mão tem contribuído bastante para a crise de fé e a perda do sentido do sagrado. O Papa agora está tentando reverter essa tendência chamando os católicos de volta a um sentido forte de sua própria identidade.
Pe. Regis Scanlon, OFM, disse uma vez que "a doutrina da Presença Real de Jesus Cristo na Eucaristia é uma daquelas verdades maravilhosas pelas quais o Cristianismo resplandece como uma religião de mistérios que excede muitíssimo a capacidade da mente humana. A Igreja Católica definiu o dogma da Presença Real ao afirmar que Jesus Cristo está presente inteiramente sob as aparências de pão e vinho após as palavras de consagração na Eucaristia."1
A recepção da Sagrada Comunhão na Missa sempre foi um momento de tremenda reverência, tradicionalmente precedida pelo soar de sinos, incenso e silêncio. Infelizmente, existem muitos católicos que não acreditam mais na Presença Real. Sem dúvida, isso se deve à diminuição – e em alguns casos, a exclusão – desses e de muitos outros símbolos e sinais de adoração. Um símbolo de adoração que foi eliminado é o recurso arquitetônico chamado Mesa de Comunhão.
A Mesa de Comunhão (também chamada de comungatório) foi introduzida nas igrejas católicas no século IX. Sua finalidade era separar o santuário do restante da igreja e separar aqueles cuja função é realizar a ação sacramental dos que formam a congregação da celebração – uma separação que foi sempre considerada como essencial para a constituição da Igreja. Essa separação estava relacionada à compreensão antiga do sacerdote como o intermediário designado entre Deus e as pessoas. O comungatório tornou-se mais conhecido como mesa de Comunhão na Idade Média, quando os fiéis começaram a receber a Comunhão de joelhos de maneira mais generalizada. Esse desenvolvimento orgânico se deu a partir de um sentido de reverência e humildade mais premente com relação à Eucaristia.

Até mesmo o Santo Padre Pio recebia a Comunhão de joelhos e sobre a língua. Será que ele não era


Para aqueles que não estão familiarizados com a mesa de Comunhão – e, sem dúvida, muitos hoje em dia nunca a usaram –, é um recurso arquitetônico que separa o santuário do corpo da igreja e, geralmente, é feito de mármore ou algum outro material precioso. Um pano branco e limpo de linho fino, que, geralmente, ficava preso no lado do comungatório que dava para o santuário geralmente era estendido ao longo da mesa de comunhão antes da distribuição da Sagrada Comunhão; sua finalidade era atuar como um tipo de corporal para receber quaisquer partículas que por acaso pudessem cair das mãos do sacerdote. O comungante então pegava o tecido com ambas as mãos e o segurava sob o queixo. Há evidências que sugerem que algo na natureza de um corporal era usado mesmo nos primeiros dias do cristianismo. Em épocas mais modernas, um acólito desempenhava a mesma função segurando uma patena sob o queixo de cada comungante.

No momento da Comunhão podemos quase visualizar o comungatório como uma mesa comprida, que existe ao longo e em frente do Altar do Sacrifício – uma mesa onde o povo de Deus pode partilhar do banquete de Nosso Senhor como se estivesse presente em sua Última Ceia; uma mesa onde, ao mesmo tempo, podemos estar presentes ao sacrifício incruento da Paixão de Nosso Senhor, como se estivéssemos verdadeiramente ajoelhados diante de Nosso Senhor no Calvário, prontos para recebê-Lo e participar em seu Sacrifício. Que incrível!
Compare isso com as rubricas de hoje que permitem que se fique de pé para a Comunhão. O que percebemos? No momento da Comunhão, o comungante toma a hóstia do padre com as suas próprias mãos – como se quisesse negar ou minimizar a consagração das mãos do sacerdote ocorrida na ordenação.

Deus nos perdoe!


Muitos comungantes hoje em dia saem da frente da igreja sem mesmo reconhecer, fazendo uma inclinação, que ele ou ela recebeu algo – ou Alguém – sagrado. Nenhuma precaução é tomada para garantir que partículas do Corpo e Sangue de Nosso Senhor não se percam. Absolutamente escandaloso! E ainda assim é isso que muitos de nossos peritos litúrgicos e bispos permitem e até mesmo promovem hoje em dia. É como se a Missa fosse um pouco mais do que uma reunião social ou um local para reunir alguns amigos.
Infelizmente, a decisão de retirar as mesas de Comunhão veio pouco tempo depois do Concilio Vaticano II e parece ter sido uma iniciativa tomada em nível local para introduzir mudanças arquitetônicas que foram consideradas necessárias para implementar as reformas litúrgicas do Concílio. Enquanto algumas igrejas deixaram as mesas de Comunhão intactas, em grande parte, elas caíram em desuso e, em geral, as construções de novas igrejas não as inclui.
Teóricos litúrgicos alegavam, juntamente com o chamado do Vaticano II a uma “participação plena e ativa de todas as pessoas" na liturgia, que a mesa de Comunhão separava a atividade do clero da passividade dos leigos a quem eles incorretamente acreditavam estivessem excluídos da celebração. Daí, a retirada das mesas de Comunhão foi considerada necessária, a fim de formar um espaço integrado ou unificado que retiraria o enfoque do padre e o redistribuiria igualmente a cada membro da assembleia. Isso significa, incidentalmente, que, embora a Igreja continue acreditando que os acólitos conduzam à produção de vocações sacerdotais, as meninas agora deveriam ser incluídas dentre suas fileiras, uma vez que qualquer forma de discriminação pode ser vista como divisão.
Sem essa "abertura para cima e para frente", para Deus, o Sacrifício da Missa se torna um pouco mais do que uma refeição comum, em que também é importante que nós "nos autocomunguemos" ao receber o Corpo e o Sangue de Cristo na Sagrada Comunhão, usando as nossas mãos. Isso é especialmente verdadeiro sempre que – como frequentemente ocorre – um membro do laicato toma as Hóstias do sacrário e as dá ao sacerdote e a outros membros do laicato para distribuição. Dizem-nos que isso ajuda a "despertar no cristão um sentido de dignidade pessoal."4 Como um testamento adicional a esta “dignidade” igualitária também se torna necessário ficar de pé ao receber a Sagrada Comunhão, o que, por as vez, elimina qualquer motivo adicional para conservar a mesa de comunhão. Muitos se lembrarão como a prática de ficar de pé para a Sagrada Comunhão foi rigorosa e arbitrariamente imposta após o Vaticano II até que se tornasse uniformemente arraigada no laicato.Entretanto, neste ponto, tudo que é essencial para a fé católica na Missa começa a se deteriorar. Por exemplo, o sacerdote não é mais visto como um intermediário, mas sim como o “presidente" que agora deve "se voltar" para as pessoas, ao invés de se voltarem para a cruz de Cristo 2 – como acontecia com a Missa em Latim. O Papa Bento XVI, alega em seu livro, O Espírito da Liturgia, que "o sacerdote que se volta para a comunidade forma, juntamente com ela, um círculo fechado em si. A sua forma deixou de ser aberta para cima e para frente; ela encerra-se em si própria."3
Com quanta frequência escutamos desde o Vaticano II que a “genuflexão não combina com a nossa cultura ... Não é certo que um homem crescido faça isso... ele deve olhar para Deus de pé". Ou novamente: "Não é apropriado que um homem redimido – ele foi liberto por Cristo e não precisa se ajoelhar nunca mais." Entretanto, é muita presunção agir como se já tivéssemos recebido a nossa recompensa celeste antes que a tenhamos efetivamente recebido. Embora muitos na Igreja neguem que o orgulho esteja envolvido neste caso, creio que este seja o “pecado da presunção" elevando a sua horrorosa cabeça. São Paulo (Fil 2; 12) nos diz que devemos trabalhar a nossa salvação em temor e tremor.
O Papa Bento disse que "a genuflexão dos cristãos não é uma forma de inculturação em costumes existentes. Muito pelo contrário, trata-se de uma expressão da cultura cristã, que transforma esta cultura através de um conhecimento e experiência de Deus novos e mais profundos." 5
Ajoelhar-se advém do conhecimento de Deus. Como o Papa nos lembra, "a palavraproskynein sozinha ocorre cinquenta e nove vezes no Novo Testamento, vinte e quatro das quais estão no Apocalipse, o livro da liturgia celeste, que é apresentado à Igreja como o padrão para a sua liturgia." 6
O Papa Bento dá um exemplo de como a genuflexão, prática essa que nos anos recentes, como o Sinal da Cruz, está caindo em desuso dentro da Igreja. Em seu livro O Espírito da Liturgia, o Papa fala de uma "história que provêm dos ditos dos Padres do Deserto, de acordo com a qual o demônio foi compelido por Deus a mostrar-se a um certo Abba Apollo. Ele tinha a aparência enegrecida e feia, com membros magros e assustadores, porém, o que mais chamava a atenção era que ele não tinha joelhos. A incapacidade de ajoelhar-se é vista como a própria essência do diabólico." 7

Como ousam!


Não se trata de um capricho da imaginação sugerir que, ao menos, teoricamente, aqueles que abandonaram a genuflexão durante a recepção da Sagrada Comunhão tenham efetivamente abandonado a Bíblia – porque se alguém não se ajoelha perante o Senhor, quando é que essa pessoa se ajoelha? O Santo Padre assinala também que "o homem que aprende a crer, aprende também a se ajoelhar, e uma fé ou uma liturgia não mais familiarizada com a genuflexão estaria doente em seu núcleo." 8
Em sua carta pastoral sobre a reverência eucarística, Dom John Keating de Arlington, Virginia, escreve: "Nenhuma postura corporal expressa de maneira tão clara a reverência interior da alma perante Deus quanto o ato de genuflectir. Reciprocamente, a postura de genuflectir reforça e aprofunda a atitude de reverência da alma." 10Embora os teóricos litúrgicos,designers e consultores modernos afirmem que a sua nova teologia reflete a mente da Igreja, não há documento eclesiástico algum contra a mesa de Comunhão ou algum documento que sancione a sua retirada das igrejas. O que o Vaticano disse é que "Quando os fiéis comungam de joelhos, nenhum outro sinal de reverência diante do Santíssimo Sacramento é obrigatório, uma vez que o próprio genuflectir é um sinal de adoração. Quando eles recebem a comunhão de pé, é altamente recomendado que, vindo em procissão, eles devam fazer um sinal de reverência antes de receber o Santíssimo Sacramento." 9
Portanto, ajoelhar-se é a postura máxima de adoração, submissão e entrega. Na Igreja Católica fazemos genuflexão e nos ajoelhamos para indicar, através de um gesto corporal, uma submissão total de nossas mentes e corações à verdadeira Presença de Cristo. Trata-se de uma manifestação exterior da reverência inspirada por Sua Presença. A mesa de Comunhão é a divisória que separa o santuário da assembléia. Na medida em que ela nos permite visualizar essa distância que separa o céu e a terra, Criador e criatura, é um recurso arquitetônico que nos ajuda a superar o orgulho humano, permitindo que nos aproximemos e recebamos Cristo na Eucaristia com a disposição e reverência próprias. Em um sentido adicional – na medida em que a noiva e o noivo são consagrados no santuário --, a mesa de comunhão também pode ser vista como um reforço visual poderoso do sacramento do Matrimônio.
A remoção das mesas de Comunhão causou grande dor a muitos na Igreja. Ela desorientou muitas pessoas, que, com justa razão – especialmente à luz da perda recente e avassaladora da fé na Eucaristia como Presença Real – temiam que o próprio cerne da fé católica fosse comprometido. Uma vez que a Missa culmina na administração da Comunhão, a mesa de comunhão deveria ser vista como era – como um auxílio para a fé da mais alta importância para os fiéis. De um ponto de vista autenticamente católico, o recurso arquitetônico antigo, para a salvação das almas, deveria voltar.
Notas:
1. Padre Regis Scanlon, O.F.M., Capítulo "Piedade Eucarística: Uma Forte Recomendação" (Theotokos, o boletim do Clube Católico da Aurária).
2 Ou, mais precisamente, o Oriente. Para citar o Monsenhor Klaus Gamber: "O que na Igreja primitiva e durante a Idade Média determinou a posição do altar foi que ele estava virado para o Oriente. Para citar Santo Augustinho, "Quando nos levantamos para rezar, nos voltamos para o Oriente, onde começa o Céu. E fazemos isso não porque Deus esteja lá, como se Ele tivesse se distanciado de outras direções na terra..., mas sim para nos ajudar a lembrar a voltar nossas mentes em direção a uma ordem superior, ou seja, para Deus". Klaus Gamber, A Reforma da Liturgia Romana, Una Voce Press, Califórnia, 1993, p.80 no capítulo, "Missa Versus Populum".
3. Cardeal Joseph Ratzinger, O Espírito da Liturgia (San Francisco: Ignatius Press, 2000), p. 80. (doravante citado como O Espírito da Liturgia ).
4. Comunicação Interna da Conferência Canadense de Bispos Católicos, 23 de março de 1970.
5. O Espírito da Liturgia. p. 185.
6. Ibid.
7. Ibid., p. 193.
8. Ibid., p. 194.
9. Eucharisticum Mysteriumis, 1967.
10. Carta Pastoral sobre a Reverencia Eucarística, 4 de dezembro de 1988.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012


Bênção da Coroa do Advento

A bênção da Coroa do Advento, bem como o ato de acender a vela de cada domingo, acontecem após o ato penitencial da Santa Missa.


I Domingo

Comentarista:
Vemos hoje, no Presbitério, a Coroa do Advento. Trata-se de um simples arranjo de ornamentos verdes e velas que nos recorda o significado deste sagrado tempo que agora iniciamos.
A Coroa do Advento teve sua origem entre os pagãos do norte da Europa, que preparavam uma roda de carroça, enfeitada com ramos e luzes, para agradar a um deus pagão, o deus do sol, que se escondia durante as longas noites do inverno do norte europeu.
Os cristãos, também no inverno, no mês de dezembro, celebravam o Natal. Assim, adotaram o mesmo costume dos pagãos, mudando-Ihe porém, completamente, o significado. Para eles, a Coroa do Advento lembra a preparação para o Natal, festa da luz e da vida, quando veio ao nosso mundo o Cristo, Sol que não tem ocaso. Colocavam, então, na Coroa, quatro velas, representando os quatro domingos do Advento. A cada domingo uma vela a mais ia sendo acesa, recordando a luz de Cristo que se aproxima com o seu santo nascimento.
Esta luz vem chegando aos poucos: primeiro, na promessa do Salvador, depois, no anúncio dos profetas, na escolha da Virgem Maria e, finalmente, no nascimento do Cristo Senhor, Deus-Conosco, Emanuel.
A Coroa circular, sem início e sem fim recorda a eternidade do Filho de Deus Pai que vai nascer no tempo. O verde simboliza a vida e a esperança. As velas recordam a luz do Senhor, cada vez mais próximo, até fazer-se Sol nascente que nos vem visitar no Natal.
Agora o sacerdote irá abençoar nossa Cora e, em seguida, acender a primeira vela. É a luz de Cristo que já começa a despontar; que ela brilhe em nosso coração!

Celebrante:
V. O nosso auxílio está no nome do Senhor.
R. Que fez o céu e a terra.

Senhor nosso Deus, sois o doador de toda bênção
e a fonte de todo dom perfeito.
Abençoai + esta Coroa em honra do Advento do Cristo, vosso Filho,
e dai-nos esperar solícitos a sua vinda.
Que ele, ao chegar, nos encontre vigilantes na oração
e proclamando o seu louvor.
Pelo mesmo Cristo, nosso Senhor.

O sacerdote asperge com água benta a Coroa e acende a primeira vela. Enquanto acende, pode dizer:

A vós, meu Deus, elevo a minha alma.
Confio em vós, que eu não seja envergonhado!
Não se riam de mim meus inimigos,
pois não será desiludido quem em vós espera (SI 24,1.3)


II Domingo

Comentarista:
Eis que vem o Desejado das Nações, e toda a terra se encherá de sua luz! Mais uma vela brilhará hoje em nossa Coroa. Aproxima-se mais o Natal, celebração do nascimento do Cristo segundo a carne Ele é a luz do alto, o Sol nascente que nos vem visitar. Preparemos os nossos caminhos!

Sacerdote:
Ó Deus onipotente,
ao acendermos mais esta vela em honra do Advento do vosso Cristo,
dai ao vosso povo esperar vigilante a sua chegada,
para que, instruídos pelo próprio Salvador,
corramos ao seu encontro com nossas lâmpadas acesas.
Por Cristo, nosso Senhor.

Já estando uma vela acesa, o sacerdote acende a segunda vela. Enquanto o faz, pode dizer:

Povo de Sião, o Senhor vem para salvar as nações!
E na alegria do vosso coração,
soará majestosa a sua voz (Is 30,19.30)


III Domingo

Comentarista:
Celebremos mais um domingo do Advento e acendamos mais uma vela da nossa Coroa. Assim reconheceremos que o Senhor está mais próximo de nós. Recordemos que a luz destas velas deve afugentar as trevas do pecado em nossas vidas e conduzir-nos a uma conversão total. Deste modo, estaremos prontos para celebrar o nascimento dAquele que é luz para iluminar as nações e guia de nossos passos no caminho da paz.

Sacerdote:
Ao acendermos esta vela,
concedei-nos, ó Deus todo-poderoso,
que desponte em nossos corações o esplendor da vossa Glória,
para que, vencidas as trevas do pecado,
a vinda do vosso Unigênito revele que somos filhos da luz.
Por Cristo, nosso Senhor.

Já estando acesas as duas velas, o sacerdote acende a terceira. Enquanto o faz, pode dizer:

Alegrai-vos sempre no Senhor.
De novo eu vos digo: alegrai-vos!
O Senhor está perto! (FI 4,4.5)


IV Domingo

Comentarista:
Ainda uma última vez acenderemos uma vela da Coroa do Advento. O Senhor agora está mais próximo. Neste Quarto Domingo toda a Coroa será iluminada!
O Senhor Jesus vem ao nosso encontro. Mas ele não vem sozinho: é nos braços da Virgem Mãe que iremos encontrá-lo. Olhemos para ela e saberemos como se cumpre a vontade do Pai, como se recebe Cristo Jesus e como poderemos colocar nossa vida a serviço dos irmãos! Celebremos com alegria o Natal próximo, recordando as palavras do Apóstolo: “Aproximai-vos do Senhor e sereis iluminados e não haverá sombra em vossas faces!”

Sacerdote:

Acendendo esta vela, nós vos pedimos, ó Deus,
que a luz da vossa graça sempre nos preceda e acompanhe
para que, esperando ansiosamente
a vinda dAquele que a Virgem concebeu,
possamos obter a vossa ajuda nesta vida e na outra.
Por Cristo, nosso Senhor.

Já estando acesas as três velas, o sacerdote acende a quarta. Enquanto o faz, pode dizer:

Céus, deixai cair o orvalho; nuvens, chovei o Justo;
abra-se a terra e brote o Salvador! (Is 45,8).

Orientação para o Tempo do Advento


A voz do meu Amado! Vejam: vem correndo pelos montes, saltitando nas colinas! (Ct 2,8) Tu vens, tu vens! Eu já escuto os teus sinais! A voz do Anjo sussurrou no meu ouvido
- eu não duvido, já escuto teus sinais: que tu virias numa manhã de Domingo. Eu te anuncio dos sinos das catedrais.

(Alceu Valença

1. O significadoTempo tipicamente latino, surgido no século. IV.
Tempo de alegre expectativa: a Igreja celebra, no memorial litúrgico, a espera da humanidade e do povo de Israel pelo Salvador desejado pelo coração humano e prometido por Deus a Israel. Na Gália era um tempo penitencial, sobretudo à espera do Cristo-Juiz: roxo, penitência e ausência de flores. Liturgicamente, o Advento liga-se de modo natural aos últimos domingos do Tempo Comum, de sabor marcadamente escatológico, insistindo sobre a consumação e plenitude de todas as coisas com a Vinda do Senhor.


2. Sua articulaçãoNa liturgia atual, o Advento divide-se em duas partes bem distintas:
A primeira é formada pelos dois primeiros domingos e, continuando os últimos domingos do Tempo Comum, colocam a ênfase no Cristo que vem no final dos tempos. A Vinda de Jesus no Natal, deve recordar que é preciso tomar posição diante do Cristo: ele virá e nele o mundo está julgado!
A segunda parte é a Semana Santa do Natal (dias 17 a 24 de dezembro). É um período de riquíssima espiritualidade e intensos sentimentos: é preparação imediata para o Santo Natal. Marca deste período são as Antífonas Ó!


3. Personagens principaisIsaías, Maria Virgem, José, João Batista;
Também Zacarias e Isabel, Simeão e Ana e todos os anawim (= os pobres de Iahweh)


4. Atitudes próprias do Advento· a vigilância na fé, na oração, na busca de reconhecer o Cristo que vem nos acontecimentos e nos irmãos;
· a conversão, procurando consertar nossos caminhos e andar nos caminhos do Senhor, para seguir a Jesus para o Reino do Pai;
· o testemunho da alegria que Jesus nos traz, através de uma caridade paciente e carinhosa para com os outros;
· a pobreza interior, de um coração disponível para Deus, como Maria, José, João Batista, Zacarias, Isabel;
· a alegria, na feliz expectativa do Cristo que vem e na invencível certeza de que ele não falhará.


5. Peculiaridades litúrgicas1. a cor roxa, recordando a sobriedade de quem vigia e espera ansioso;
2. as flores na Igreja são usadas com moderação, também como sinal de expectativa;
3. não se canta o «Glória» na Missa, na expectativa feliz de cantá-lo na Noite Santa do Natal do Senhor.
Obs: Não é correto o uso do róseo, a não ser no terceiro domingo do Advento. O uso do róseo em todos os dias ou domingos desse tempo é um abuso, já que não é aprovado pela Santa Sé.


6. Sugestões pastoraisO “Natal em Família”
A leitura e meditação do Livro do Profeta Isaías
A Coroa do Advento e o Presépio
A valorização das Antífonas Ó
O incremento de uma autêntica espiritualidade Mariana (mais que o Mês de Maio, o Advento é o tempo mariano por excelência)!
A Celebração da Reconciliação sacramental (se possível com um momento comunitário)
O cuidado na decoração do espaço celebrativo: sobriedade e, a partir da Semana Santa do Natal, a ornamentação da Coroa e a armação do Presépio sem o Menino (colocado na Missa do Galo)
Toda a liturgia do Advento deve criar um clima de tensão alegre e ansiosa pela vinda do Senhor, deve desenvolver nos fiéis uma profunda nostalgia de Deus como Presença, Companhia, Aconchego, Intimidade, Salvação e Plenitude. Somente quem alarga o coração pelo desejo, pode exultar pelo Dom desejado e depois recebido.


7. Observações práticasI. A Coroa do Advento:
a) Deve ser abençoada na missa principal do primeiro domingo. Veja o Rito
b) Cada vela deveria ser acesa seguindo-se um rito próprio.
c) Deve ser toda verde, sendo ornamentada com bolas, flores e luzes somente a partir do dia 17 de dezembro.
d) Permanece na igreja (presbitério), na Missa de Natal --> (junto do presépio) até a Festa do Batismo do Senhor, quando retiram-se os ornamentos de Natal.

II. O presépio: a) Deve ser armado no dia 17 de dezembro, início da Semana Santa do Natal;
b) O menino Jesus somente deve ser colocado na Missa do Galo
c) Deve ser desarmado somente após a Festa do Batismo do Senhor

III. As Antífonas Ó:
a) É recomendável cantá-las ao Aleluia do Evangelho da Missa de cada dia de 17 a 24
b) Pode-se colocá-las ao lado do Presépio, ladeada por velas, sobre uma estante, como um livro, do dia 17 de dezembro até o Batismo do Senhor


IV. As kalendas:
a) São entoadas após o Ato Penitencial e antes do Glória da Missa do Galo.
b) Para facilitar, entoa-se com tom salmódico. A letra encontra-se no Diretório Litúrgico da CNBB.
c) O modo de calcular a data da lua é o seguinte: subtrai-se 25- (dia da lua nova de dezembro) e anuncia-se o dia em número ordinal (por exemplo: “25o. da lua”).




Visão Cristã

Quando montar a Árvore de Natal e o Presépio?



"Após as I Vésperas do I Domingo do Advento é a hora de montar a árvore de Natal, colocar a guirlanda na porta, armar o presépio, e mudar o capacho da frente de casa por um tapete com decoração natalina." (Rafael Vitola Brodbeck).

A árvore não deve ser montada toda de uma vez: o ideal é acrescentar enfeites e adereços aos poucos, durante as quatro semanas do Advento, que é, para nós católicos, tempo de preparação. 

“Durante o Natal, no Hemisfério Norte, todas as árvores perdem as folhas, com exceção do pinheiro. Por isso, a árvore se tornou símbolo da vida, celebrada no Natal com o nascimento do menino Jesus.” 

A preparação da árvore deve ser intensificada durante a última semana que antecede o Natal. “Até 16 de dezembro, tudo ainda é muito sóbrio, mesmo nas leituras feitas nas Missas do advento. É só a partir do dia 17 de dezembro que a Bíblia começa a falar do nascimento de Jesus, e se inicia um momento de maior expectativa. Esse é o momento, portanto, de intensificar a decoração da árvore.” 

A montagem do presépio, também tradicional em tempos de Natal, deve seguir a mesma linha da preparação da árvore de natal. “Aos poucos, pode-se começar a montar a gruta, colocar os animais e os pastores, mas a Virgem Maria, São José e o menino Jesus devem fazer parte do presépio apenas mais próximo da noite do Natal.” 

O presépio, enquanto “encenação”, foi uma invenção de São Francisco de Assis para lembrar a simplicidade e as dificuldades enfrentadas pela Virgem Maria e São José no nascimento de Jesus. A orientação para quem pretende seguir a tradição católica é não sofisticar os presépios com luzes e enfeites. 

“Costumamos dizer sempre também que é muito importante envolver as crianças na montagem dos presépios, e o ideal seria que eles fossem feitos nas próprias casas, pelas crianças, para que eles percebam o real sentido do natal.” 


Hora de desmontar 

Tradicionalmente, o dia de desmontar a árvore de Natal, o presépio e toda a decoração natalina é 6 de janeiro, o Dia de Reis. “É nesse dia que três magos, pessoas sábias, encontram o menino Jesus e ele é então revelado a todas as nações. Termina então o tempo de Natal, o tempo de expectativa, e começa o Tempo Comum para a Igreja.” 



Advento 

Um dos grandes símbolos do Natal para a Igreja é a coroa do Advento. Formada com ramos verdes e em formato de círculo, a coroa simboliza a unidade e a perfeição, sem começo e sem fim. “A coroa representa o nascimento do rei. Em cada um dos quatro domingos do advento uma vela é acesa. Com a proximidade do nascimento de Jesus, a luz se torna mais intensa, e é o Natal enquanto festa da luz que celebramos.”

terça-feira, 23 de outubro de 2012

O fanon papal está de volta!



Hoje, na praça de São Pedro, durante o ato supremo e solene da canonização de sete novos santos, Bento XVI, assistido pelos cardeais diáconos, usou o fanon pela primeira vez em seu pontificado. O fanon é uma espécie de pequena capa de ombros, como uma dupla murça (mozeta) ou camalha de seda branca com listras douradas.
O fanon, insígnia litúrgica papal, é reservado somente ao Papa durante as Missas Papais, representa o escudo da fé que protege a Igreja Católica, personificada no papa. Só o pontífice máximo pode usar o fanon, pois ele é o chefe visível da Igreja de Cristo.
As faixas verticais, de cor dourada, representam a unidade e a indissolubilidade da Igreja latina e oriental.
Nas celebrações solenes -como a hodierna- na qual o papa desenvolve um ato supremo do seu próprio ministério petrino, a unidade da Igreja Católica (Igreja do Oriente e do Ocidente) e a autoridade de Chefe exercida pelo papa por instituição divina são manifestadas também pelo uso da língua latina, a língua oficial da Igreja, e também pelo grego a língua da Igreja no Oriente, como feito hoje para a proclamação do Evangelho pelo diácono grego.
Creio que a última vez que este apareceu foi com o Papa João Paulo II, quando da celebração de uma missa na década de 1980. Nesta data também, o então sumo pontífice endossou uma bela casula vermelha e dourada, no tempo de seu antigo mestre de cerimônias Mons. John Magee. Depois daquela data nunca mais foi usado.
* * *
Hoje, o fanon apareceu sobre a casula gótica creme, confeccionada para a visita do papa a Veneza.
A cadeira de Pio IX foi usada no lugar da habitual sédia do pontífice. Sobre o trono foi posto, como de costume, uma espécie de toldo, porém hoje este estava revestido de um tecido vermelho e lembrava o antigo baldaquino das missas papais.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012


SANTA MISSA PARA A ABERTURA DO ANO DA FÉ
HOMILIA DO PAPA BENTO XVI
Praça de São Pedro
Quinta-feira, 11 de Outubro de 2012


Venerados Irmãos,
Queridos irmãos e irmãs!

Hoje, com grande alegria, 50 anos depois da abertura do Concílio Vaticano II, damos início aoAno da fé. Tenho o prazer de saudar a todos vós, especialmente Sua Santidade Bartolomeu I, Patriarca de Constantinopla, e Sua Graça Rowan Williams, Arcebispo de Cantuária. Saúdo também, de modo especial, os Patriarcas e Arcebispos Maiores das Igrejas Orientais católicas, e os Presidentes das Conferências Episcopais. Para fazer memória do Concílio, que alguns dos aqui presentes – a quem saúdo com afeto especial - tivemos a graça de viver em primeira pessoa, esta celebração foi enriquecida com alguns sinais específicos: a procissão inicial, que quis recordar a memorável procissão dos Padres conciliares, quando entraram solenemente nesta Basílica; a entronização do Evangeliário, cópia daquele que foi utilizado durante o Concílio; e a entrega das sete mensagens finais do Concílio e do Catecismo da Igreja Católica, que realizarei no termo desta celebração, antes da Bênção Final. Estes sinais, não nos fazem apenas recordar, mas também nos oferecem a possibilidade de ir além da comemoração. Eles nos convidam a entrar mais profundamente no movimento espiritual que caracterizou o Vaticano II, para que se possa assumi-lo e levá-lo adiante no seu verdadeiro sentido. E este sentido foi e ainda é a fé em Cristo, a fé apostólica, animada pelo impulso interior que leva a comunicar Cristo a cada homem e a todos os homens, no peregrinar da Igreja nos caminhos da história.
Ano da fé que estamos inaugurando hoje está ligado coerentemente com todo o caminho da Igreja ao longo dos últimos 50 anos: desde o Concílio, passando pelo Magistério do Servo de Deus Paulo VI, que proclamou um "Ano da Fé", em 1967, até chegar ao o Grande Jubileu do ano 2000, com o qual o Bem-Aventurado João Paulo II propôs novamente a toda a humanidade Jesus Cristo como único Salvador, ontem, hoje e sempre. Entre estes dois Pontífices, Paulo VI e João Paulo II, houve uma profunda e total convergência na visão de Cristo como o centro do cosmos e da história, e no ardente desejo apostólico de anunciá-lo ao mundo. Jesus é o centro da fé cristã. O cristão crê em Deus através de Jesus Cristo, que nos revelou a face de Deus. Ele é o cumprimento das Escrituras e seu intérprete definitivo. Jesus Cristo não é apenas o objeto de fé, mas, como diz a Carta aos Hebreus, é aquele «que em nós começa e completa a obra da fé» (Hb 12,2).
O Evangelho de hoje nos fala que Jesus Cristo, consagrado pelo Pai no Espírito Santo, é o verdadeiro e perene sujeito da evangelização. «O Espírito do Senhor está sobre mim, / porque ele me consagrou com a unção / para anunciar a Boa-Nova aos pobres» (Lc 4,18). Esta missão de Cristo, este movimento, continua no espaço e no tempo, ao longo dos séculos e continentes. É um movimento que parte do Pai e, com a força do Espírito, impele a levar a Boa-Nova aos pobres, tanto no sentido material como espiritual. A Igreja é o instrumento primordial e necessário desta obra de Cristo, uma vez que está unida a Ele como o corpo à cabeça. «Como o Pai me enviou, também eu vos envio» (Jo 20,21). Estas foram as palavras do Senhor Ressuscitado aos seus discípulos, que soprando sobre eles disse: «Recebei o Espírito Santo» (v. 22). O sujeito principal da evangelização do mundo é Deus, através de Jesus Cristo; mas o próprio Cristo quis transmitir à Igreja a missão, e o fez e continua a fazê-lo até o fim dos tempos infundindo o Espírito Santo nos discípulos, o mesmo Espírito que repousou sobre Ele, e n’Ele permaneceu durante toda a vida terrena, dando-lhe a força de «proclamar a libertação aos cativos / e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor» (Lc 4,18-19).
O Concílio Vaticano II não quis colocar a fé como tema de um documento específico. E, no entanto, o Concílio esteve inteiramente animado pela consciência e pelo desejo de ter que, por assim dizer, imergir mais uma vez no mistério cristão, para poder propô-lo novamente e eficazmente para o homem contemporâneo. Neste sentido, o Servo de Deus Paulo VI, dois anos depois da conclusão do Concílio, se expressava usando estas palavras: «Se o Concílio não trata expressamente da fé, fala da fé a cada página, reconhece o seu caráter vital e sobrenatural, pressupõe-na íntegra e forte, e estrutura as suas doutrinas tendo a fé por alicerce. Bastaria recordar [algumas] afirmações do Concílio (...) para dar-se conta da importância fundamental que o Concílio, em consonância com a tradição doutrinal da Igreja, atribui à fé, a verdadeira fé, que tem a Cristo por fonte e o Magistério da Igreja como canal» (Catequese na Audiência Geral de 8 de março de 1967). Até aqui, a citação de Paulo VI, em 1967.
Agora, porém, temos de voltar para aquele que convocou o Concílio Vaticano II e que o inaugurou: o Bem-Aventurado João XXIII. No Discurso de Abertura, ele apresentou a finalidade principal do Concílio usando estas palavras: «O que mais importa ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz. (...) Por isso, o objetivo principal deste Concílio não é a discussão sobre este ou aquele tema doutrinal... Para isso, não havia necessidade de um Concílio... É necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e apresentada de forma a responder às exigências do nosso tempo» (AAS 54 [1962], 790791-792). Até aqui, a citação do Papa João XIII, na inauguração do Concílio.
À luz destas palavras, entende-se aquilo que eu mesmo pude então experimentar: durante o Concílio havia uma tensão emocionante, em relação à tarefa comum de fazer resplandecer a verdade e a beleza da fé no hoje do nosso tempo, sem sacrificá-la frente às exigências do presente, nem mantê-la presa ao passado: na fé ecoa o eterno presente de Deus, que transcende o tempo, mas que só pode ser acolhida no nosso hoje, que não torna a repetir-se. Por isso, julgo que a coisa mais importante, especialmente numa ocasião tão significativa como a presente, seja reavivar em toda a Igreja aquela tensão positiva, aquele desejo ardente de anunciar novamente Cristo ao homem contemporâneo. Mas para que este impulso interior à nova evangelização não seja só um ideal e não peque de confusão, é necessário que ele se apoie sobre uma base de concreta e precisa, e esta base são os documentos do Concílio Vaticano II, nos quais este impulso encontrou a sua expressão. É por isso que repetidamente tenho insistido na necessidade de retornar, por assim dizer, à «letra» do Concílio - ou seja, aos seus textos - para também encontrar o seu verdadeiro espírito; e tenho repetido que neles se encontra a verdadeira herança do Concílio Vaticano II. A referência aos documentos protege dos extremos tanto de nostalgias anacrônicas como de avanços excessivos, permitindo captar a novidade na continuidade. O Concílio não excogitou nada de novo em matéria de fé, nem quis substituir aquilo que existia antes. Pelo contrário, preocupou-se em fazer com que a mesma fé continue a ser vivida no presente, continue a ser uma fé viva em um mundo em mudança.
Se nos colocarmos em sintonia com a orientação autêntica que o Bem-Aventurado João XXIII queria dar ao Vaticano II, poderemos atualizá-la ao longo deste Ano da Fé, no único caminho da Igreja que quer aprofundar continuamente a «bagagem» da fé que Cristo lhe confiou. Os Padres conciliares queriam voltar a apresentar a fé de uma forma eficaz, e se quiseram abrir-se com confiança ao diálogo com o mundo moderno foi justamente porque eles estavam seguros da sua fé, da rocha firme em que se apoiavam. Contudo, nos anos seguintes, muitos acolheram acriticamente a mentalidade dominante, questionando os próprios fundamentos do depositum fidei a qual infelizmente já não consideravam como própria diante daquilo que tinham por verdade.
Se a Igreja hoje propõe um novo Ano da fé e a nova evangelização, não é para prestar honras a uma efeméride, mas porque é necessário, ainda mais do que há 50 anos! E a resposta que se deve dar a esta necessidade é a mesma desejada pelos Papas e Padres conciliares e que está contida nos seus documentos. Até mesmo a iniciativa de criar um Concílio Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização – ao qual agradeço o empenho especial para o Ano da fé – enquadra-se nessa perspectiva. Nos últimos decênios tem-se visto o avanço de uma "desertificação" espiritual. Qual fosse o valor de uma vida, de um mundo sem Deus, no tempo do Concílio já se podia perceber a partir de algumas páginas trágicas da história, mas agora, infelizmente, o vemos ao nosso redor todos os dias. É o vazio que se espalhou. No entanto, é precisamente a partir da experiência deste deserto, deste vazio, que podemos redescobrir a alegria de crer, a sua importância vital para nós homens e mulheres. No deserto é possível redescobrir o valor daquilo que é essencial para a vida; assim sendo, no mundo de hoje, há inúmeros sinais da sede de Deus, do sentido último da vida, ainda que muitas vezes expressos implícita ou negativamente. E no deserto existe, sobretudo, necessidade de pessoas de fé que, com suas próprias vidas, indiquem o caminho para a Terra Prometida, mantendo assim viva a esperança. A fé vivida abre o coração à Graça de Deus que liberta do pessimismo. Hoje, mais do que nunca, evangelizar significa testemunhar uma vida nova, transformada por Deus, indicando assim o caminho. A primeira Leitura falava da sabedoria do viajante (cf. Eclo 34,9-13): a viagem é uma metáfora da vida, e o viajante sábio é aquele que aprendeu a arte de viver e pode compartilhá-la com os irmãos - como acontece com os peregrinos no Caminho de Santiago, ou em outros caminhos de peregrinação que, não por acaso, estão novamente em voga nestes últimos anos. Por que tantas pessoas hoje sentem a necessidade de fazer esses caminhos? Não seria porque neles encontraram, ou pelo menos intuíram o significado do nosso estar no mundo? Eis aqui o modo como podemos representar este Ano da fé: uma peregrinação nos desertos do mundo contemporâneo, em que se deve levar apenas o que é essencial: nem cajado, nem sacola, nem pão, nem dinheiro, nem duas túnicas - como o Senhor exorta aos Apóstolos ao enviá-los em missão (cf. Lc 9,3), mas sim o Evangelho e a fé da Igreja, dos quais os documentos do Concílio Vaticano II são uma expressão luminosa, assim como é oCatecismo da Igreja Católica, publicado há 20 anos.
Venerados e queridos irmãos, no dia 11 de outubro de 1962, celebrava-se a festa de Santa Maria, Mãe de Deus. A Ela lhe confiamos o Ano da fé, tal como fiz há uma semana, quando fui, em peregrinação, a Loreto. Que a Virgem Maria brilhe sempre qual estrela no caminho da nova evangelização. Que Ela nos ajude a pôr em prática a exortação do Apóstolo Paulo: «A palavra de Cristo, em toda a sua riqueza, habite em vós. Ensinai e admoestai-vos uns aos outros, com toda a sabedoria... Tudo o que fizerdes, em palavras ou obras, seja feito em nome do Senhor Jesus. Por meio dele dai graças a Deus Pai» (Col 3,16-17). Amém.


quinta-feira, 11 de outubro de 2012


CARTA APOSTÓLICA
SOB FORMA DE MOTU PROPRIO
PORTA FIDEI
DO SUMO PONTÍFICE
BENTO XVI
COM A QUAL SE PROCLAMA O ANO DA FÉ



1. A PORTA DA FÉ (cf. Act 14, 27), que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja, está sempre aberta para nós. É possível cruzar este limiar, quando a Palavra de Deus é anunciada e o coração se deixa plasmar pela graça que transforma. Atravessar esta porta implica embrenhar-se num caminho que dura a vida inteira. Este caminho tem início no Baptismo (cf. Rm 6, 4), pelo qual podemos dirigir-nos a Deus com o nome de Pai, e está concluído com a passagem através da morte para a vida eterna, fruto da ressurreição do Senhor Jesus, que, com o dom do Espírito Santo, quis fazer participantes da sua própria glória quantos crêem n’Ele (cf. Jo 17, 22). Professar a fé na Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – equivale a crer num só Deus que é Amor (cf. 1 Jo 4, 8): o Pai, que na plenitude dos tempos enviou seu Filho para a nossa salvação; Jesus Cristo, que redimiu o mundo no mistério da sua morte e ressurreição; o Espírito Santo, que guia a Igreja através dos séculos enquanto aguarda o regresso glorioso do Senhor.
2. Desde o princípio do meu ministério como Sucessor de Pedro, lembrei a necessidade de redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo. Durante a homilia da Santa Missa no início do pontificado, disse: «A Igreja no seu conjunto, e os Pastores nela, como Cristo devem pôr-se a caminho para conduzir os homens fora do deserto, para lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dá a vida, a vida em plenitude»[1]. Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora um tal pressuposto não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado.[2] Enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não é assim em grandes sectores da sociedade devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas.
3. Não podemos aceitar que o sal se torne insípido e a luz fique escondida (cf. Mt 5, 13-16). Também o homem contemporâneo pode sentir de novo a necessidade de ir como a samaritana ao poço, para ouvir Jesus que convida a crer n’Ele e a beber na sua fonte, donde jorra água viva (cf. Jo 4, 14). Devemos readquirir o gosto de nos alimentarmos da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela Igreja, e do Pão da vida, oferecidos como sustento de quantos são seus discípulos (cf. Jo 6, 51). De facto, em nossos dias ressoa ainda, com a mesma força, este ensinamento de Jesus: «Trabalhai, não pelo alimento que desaparece, mas pelo alimento que perdura e dá a vida eterna» (Jo 6, 27). E a questão, então posta por aqueles que O escutavam, é a mesma que colocamos nós também hoje: «Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?» (Jo 6, 28). Conhecemos a resposta de Jesus: «A obra de Deus é esta: crer n’Aquele que Ele enviou» (Jo 6, 29). Por isso, crer em Jesus Cristo é o caminho para se poder chegar definitivamente à salvação.
4. À luz de tudo isto, decidi proclamar um Ano da Fé. Este terá início a 11 de Outubro de 2012, no cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II, e terminará na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, a 24 de Novembro de 2013. Na referida data de 11 de Outubro de 2012, completar-se-ão também vinte anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica, texto promulgado pelo meu Predecessor, o Beato Papa João Paulo II,[3] com o objectivo de ilustrar a todos os fiéis a força e a beleza da fé. Esta obra, verdadeiro fruto do Concílio Vaticano II, foi desejada pelo Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985 como instrumento ao serviço da catequese[4] e foi realizado com a colaboração de todo o episcopado da Igreja Católica. E uma Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos foi convocada por mim, precisamente para o mês de Outubro de 2012, tendo por tema A nova evangelização para a transmissão da fé cristã. Será uma ocasião propícia para introduzir o complexo eclesial inteiro num tempo de particular reflexão e redescoberta da fé. Não é a primeira vez que a Igreja é chamada a celebrar um Ano da Fé. O meu venerado Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, proclamou um ano semelhante, em 1967, para comemorar o martírio dos apóstolos Pedro e Paulo no décimo nono centenário do seu supremo testemunho. Idealizou-o como um momento solene, para que houvesse, em toda a Igreja, «uma autêntica e sincera profissão da mesma fé»; quis ainda que esta fosse confirmada de maneira «individual e colectiva, livre e consciente, interior e exterior, humilde e franca».[5] Pensava que a Igreja poderia assim retomar «exacta consciência da sua fé para a reavivar, purificar, confirmar, confessar».[6] As grandes convulsões, que se verificaram naquele Ano, tornaram ainda mais evidente a necessidade duma tal celebração. Esta terminou com a Profissão de Fé do Povo de Deus,[7] para atestar como os conteúdos essenciais, que há séculos constituem o património de todos os crentes, necessitam de ser confirmados, compreendidos e aprofundados de maneira sempre nova para se dar testemunho coerente deles em condições históricas diversas das do passado.
5. Sob alguns aspectos, o meu venerado Predecessor viu este Ano como uma «consequência e exigência pós-conciliar»[8], bem ciente das graves dificuldades daquele tempo sobretudo no que se referia à profissão da verdadeira fé e da sua recta interpretação. Pareceu-me que fazer coincidir o início do Ano da Fé com o cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II poderia ser uma ocasião propícia para compreender que os textos deixados em herança pelos Padres Conciliares, segundo as palavras do Beato João Paulo II, «não perdem o seu valor nem a sua beleza. É necessário fazê-los ler de forma tal que possam ser conhecidos e assimilados como textos qualificados e normativos do Magistério, no âmbito da Tradição da Igreja. Sinto hoje ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça de que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa».[9] Quero aqui repetir com veemência as palavras que disse a propósito do Concílio poucos meses depois da minha eleição para Sucessor de Pedro: «Se o lermos e recebermos guiados por uma justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja».[10]
6. A renovação da Igreja realiza-se também através do testemunho prestado pela vida dos crentes: de facto, os cristãos são chamados a fazer brilhar, com a sua própria vida no mundo, a Palavra de verdade que o Senhor Jesus nos deixou. O próprio Concílio, na Constituição dogmática Lumen gentium, afirma: «Enquanto Cristo “santo, inocente, imaculado” (Heb 7, 26), não conheceu o pecado (cf. 2 Cor 5, 21), mas veio apenas expiar os pecados do povo (cf. Heb2, 17), a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação. A Igreja “prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus”, anunciando a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha (cf. 1 Cor 11, 26). Mas é robustecida pela força do Senhor ressuscitado, de modo a vencer, pela paciência e pela caridade, as suas aflições e dificuldades tanto internas como externas, e a revelar, velada mas fielmente, o seu mistério, até que por fim se manifeste em plena luz».[11]
Nesta perspectiva, o Ano da Fé é convite para uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo. No mistério da sua morte e ressurreição, Deus revelou plenamente o Amor que salva e chama os homens à conversão de vida por meio da remissão dos pecados (cf. Act 5, 31). Para o apóstolo Paulo, este amor introduz o homem numa vida nova: «Pelo Baptismo fomos sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova» (Rm 6, 4). Em virtude da fé, esta vida nova plasma toda a existência humana segundo a novidade radical da ressurreição. Na medida da sua livre disponibilidade, os pensamentos e os afectos, a mentalidade e o comportamento do homem vão sendo pouco a pouco purificados e transformados, ao longo de um itinerário jamais completamente terminado nesta vida. A «fé, que actua pelo amor» (Gl 5, 6), torna-se um novo critério de entendimento e de acção, que muda toda a vida do homem (cf. Rm 12, 2; Cl 3, 9-10; Ef 4, 20-29; 2 Cor 5, 17).
7. «Caritas Christi urget nos – o amor de Cristo nos impele» (2 Cor 5, 14): é o amor de Cristo que enche os nossos corações e nos impele a evangelizar. Hoje, como outrora, Ele envia-nos pelas estradas do mundo para proclamar o seu Evangelho a todos os povos da terra (cf. Mt 28, 19). Com o seu amor, Jesus Cristo atrai a Si os homens de cada geração: em todo o tempo, Ele convoca a Igreja confiando-lhe o anúncio do Evangelho, com um mandato que é sempre novo. Por isso, também hoje é necessário um empenho eclesial mais convicto a favor duma nova evangelização, para descobrir de novo a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a fé. Na descoberta diária do seu amor, ganha força e vigor o compromisso missionário dos crentes, que jamais pode faltar. Com efeito, a fé cresce quando é vivida como experiência de um amor recebido e é comunicada como experiência de graça e de alegria. A fé torna-nos fecundos, porque alarga o coração com a esperança e permite oferecer um testemunho que é capaz de gerar: de facto, abre o coração e a mente dos ouvintes para acolherem o convite do Senhor a aderir à sua Palavra a fim de se tornarem seus discípulos. Os crentes – atesta Santo Agostinho – «fortificam-se acreditando».[12] O Santo Bispo de Hipona tinha boas razões para falar assim. Como sabemos, a sua vida foi uma busca contínua da beleza da fé enquanto o seu coração não encontrou descanso em Deus.[13] Os seus numerosos escritos, onde se explica a importância de crer e a verdade da fé, permaneceram até aos nossos dias como um património de riqueza incomparável e consentem ainda que tantas pessoas à procura de Deus encontrem o justo percurso para chegar à «porta da fé».
Por conseguinte, só acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra possibilidade de adquirir certeza sobre a própria vida, senão abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em Deus.
8. Nesta feliz ocorrência, pretendo convidar os Irmãos Bispos de todo o mundo para que se unam ao Sucessor de Pedro, no tempo de graça espiritual que o Senhor nos oferece, a fim de comemorar o dom precioso da fé. Queremos celebrar este Ano de forma digna e fecunda. Deverá intensificar-se a reflexão sobre a fé, para ajudar todos os crentes em Cristo a tornarem mais consciente e revigorarem a sua adesão ao Evangelho, sobretudo num momento de profunda mudança como este que a humanidade está a viver. Teremos oportunidade de confessar a fé no Senhor Ressuscitado nas nossas catedrais e nas igrejas do mundo inteiro, nas nossas casas e no meio das nossas famílias, para que cada um sinta fortemente a exigência de conhecer melhor e de transmitir às gerações futuras a fé de sempre. Neste Ano, tanto as comunidades religiosas como as comunidades paroquiais e todas as realidades eclesiais, antigas e novas, encontrarão forma de fazer publicamente profissão do Credo.
9. Desejamos que este Ano suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção, com confiança e esperança. Será uma ocasião propícia também para intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que é «a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força».[14]Simultaneamente esperamos que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua credibilidade. Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada[15] e reflectir sobre o próprio acto com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano.
Não foi sem razão que, nos primeiros séculos, os cristãos eram obrigados a aprender de memória o Credo. É que este servia-lhes de oração diária, para não esquecerem o compromisso assumido com o Baptismo. Recorda-o, com palavras densas de significado, Santo Agostinho quando afirma numa homilia sobre a redditio symboli (a entrega do Credo): «O símbolo do santo mistério, que recebestes todos juntos e que hoje proferistes um a um, reúne as palavras sobre as quais está edificada com solidez a fé da Igreja, nossa Mãe, apoiada no alicerce seguro que é Cristo Senhor. E vós recebeste-lo e proferiste-lo, mas deveis tê-lo sempre presente na mente e no coração, deveis repeti-lo nos vossos leitos, pensar nele nas praças e não o esquecer durante as refeições; e, mesmo quando o corpo dorme, o vosso coração continue de vigília por ele».[16]
10. Queria agora delinear um percurso que ajude a compreender de maneira mais profunda os conteúdos da fé e, juntamente com eles, também o acto pelo qual decidimos, com plena liberdade, entregar-nos totalmente a Deus. De facto, existe uma unidade profunda entre o acto com que se crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento. O apóstolo Paulo permite entrar dentro desta realidade quando escreve: «Acredita-se com o coração e, com a boca, faz-se a profissão de fé» (Rm 10, 10). O coração indica que o primeiro acto, pelo qual se chega à fé, é dom de Deus e acção da graça que age e transforma a pessoa até ao mais íntimo dela mesma.
A este respeito é muito eloquente o exemplo de Lídia. Narra São Lucas que o apóstolo Paulo, encontrando-se em Filipos, num sábado foi anunciar o Evangelho a algumas mulheres; entre elas, estava Lídia. «O Senhor abriu-lhe o coração para aderir ao que Paulo dizia» (Act 16, 14). O sentido contido na expressão é importante. São Lucas ensina que o conhecimento dos conteúdos que se deve acreditar não é suficiente, se depois o coração – autêntico sacrário da pessoa – não for aberto pela graça, que consente ter olhos para ver em profundidade e compreender que o que foi anunciado é a Palavra de Deus.
Por sua vez, o professar com a boca indica que a fé implica um testemunho e um compromisso públicos. O cristão não pode jamais pensar que o crer seja um facto privado. A fé é decidir estar com o Senhor, para viver com Ele. E este «estar com Ele» introduz na compreensão das razões pelas quais se acredita. A fé, precisamente porque é um acto da liberdade, exige também assumir a responsabilidade social daquilo que se acredita. No dia de Pentecostes, a Igreja manifesta, com toda a clareza, esta dimensão pública do crer e do anunciar sem temor a própria fé a toda a gente. É o dom do Espírito Santo que prepara para a missão e fortalece o nosso testemunho, tornando-o franco e corajoso.
A própria profissão da fé é um acto simultaneamente pessoal e comunitário. De facto, o primeiro sujeito da fé é a Igreja. É na fé da comunidade cristã que cada um recebe o Baptismo, sinal eficaz da entrada no povo dos crentes para obter a salvação. Como atesta o Catecismo da Igreja Católica, «“Eu creio”: é a fé da Igreja, professada pessoalmente por cada crente, principalmente por ocasião do Baptismo. “Nós cremos”: é a fé da Igreja, confessada pelos bispos reunidos em Concílio ou, de modo mais geral, pela assembleia litúrgica dos crentes. “Eu creio”: é também a Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus pela sua fé e nos ensina a dizer: “Eu creio”, “Nós cremos”».[17]
Como se pode notar, o conhecimento dos conteúdos de fé é essencial para se dar o próprioassentimento, isto é, para aderir plenamente com a inteligência e a vontade a quanto é proposto pela Igreja. O conhecimento da fé introduz na totalidade do mistério salvífico revelado por Deus. Por isso, o assentimento prestado implica que, quando se acredita, se aceita livremente todo o mistério da fé, porque o garante da sua verdade é o próprio Deus, que Se revela e permite conhecer o seu mistério de amor.[18]
Por outro lado, não podemos esquecer que, no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Esta busca é um verdadeiro «preâmbulo» da fé, porque move as pessoas pela estrada que conduz ao mistério de Deus. De facto, a própria razão do homem traz inscrita em si mesma a exigência «daquilo que vale e permanece sempre».[19] Esta exigência constitui um convite permanente, inscrito indelevelmente no coração humano, para caminhar ao encontro d’Aquele que não teríamos procurado se Ele mesmo não tivesse já vindo ao nosso encontro.[20] É precisamente a este encontro que nos convida e abre plenamente a fé.
11. Para chegar a um conhecimento sistemático da fé, todos podem encontrar um subsídio precioso e indispensável no Catecismo da Igreja Católica. Este constitui um dos frutos mais importantes do Concílio Vaticano II. Na Constituição apostólica Fidei depositum – não sem razão assinada na passagem do trigésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano II – o Beato João Paulo II escrevia: «Este catecismo dará um contributo muito importante à obra de renovação de toda a vida eclesial (...). Declaro-o norma segura para o ensino da fé e, por isso, instrumento válido e legítimo ao serviço da comunhão eclesial».[21]  
É precisamente nesta linha que o Ano da Fé deverá exprimir um esforço generalizado em prol da redescoberta e do estudo dos conteúdos fundamentais da fé, que têm no Catecismo da Igreja Católica a sua síntese sistemática e orgânica. Nele, de facto, sobressai a riqueza de doutrina que a Igreja acolheu, guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de história. Desde a Sagrada Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres de teologia aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória permanente dos inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na doutrina para dar certeza aos crentes na sua vida de fé.
Na sua própria estrutura, o Catecismo da Igreja Católica apresenta o desenvolvimento da fé até chegar aos grandes temas da vida diária. Repassando as páginas, descobre-se que o que ali se apresenta não é uma teoria, mas o encontro com uma Pessoa que vive na Igreja. Na verdade, a seguir à profissão de fé, vem a explicação da vida sacramental, na qual Cristo está presente e operante, continuando a construir a sua Igreja. Sem a liturgia e os sacramentos, a profissão de fé não seria eficaz, porque faltaria a graça que sustenta o testemunho dos cristãos. Na mesma linha, a doutrina do Catecismo sobre a vida moral adquire todo o seu significado, se for colocada em relação com a fé, a liturgia e a oração.
12. Assim, no Ano em questão, o Catecismo da Igreja Católica poderá ser um verdadeiro instrumento de apoio da fé, sobretudo para quantos têm a peito a formação dos cristãos, tão determinante no nosso contexto cultural. Com tal finalidade, convidei a Congregação para a Doutrina da Fé a redigir, de comum acordo com os competentes Organismos da Santa Sé, uma Nota, através da qual se ofereçam à Igreja e aos crentes algumas indicações para viver, nos moldes mais eficazes e apropriados, este Ano da Fé ao serviço do crer e do evangelizar.
De facto, em nossos dias mais do que no passado, a fé vê-se sujeita a uma série de interrogativos, que provêm duma diversa mentalidade que, hoje de uma forma particular, reduz o âmbito das certezas racionais ao das conquistas científicas e tecnológicas. Mas, a Igreja nunca teve medo de mostrar que não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes, tendem para a verdade.[22]
13. Será decisivo repassar, durante este Ano, a história da nossa fé, que faz ver o mistério insondável da santidade entrelaçada com o pecado. Enquanto a primeira põe em evidência a grande contribuição que homens e mulheres prestaram para o crescimento e o progresso da comunidade com o testemunho da sua vida, o segundo deve provocar em todos uma sincera e contínua obra de conversão para experimentar a misericórdia do Pai, que vem ao encontro de todos.
Ao longo deste tempo, manteremos o olhar fixo sobre Jesus Cristo, «autor e consumador da fé» (Heb 12, 2): n’Ele encontra plena realização toda a ânsia e anélito do coração humano. A alegria do amor, a resposta ao drama da tribulação e do sofrimento, a força do perdão face à ofensa recebida e a vitória da vida sobre o vazio da morte, tudo isto encontra plena realização no mistério da sua Encarnação, do seu fazer-Se homem, do partilhar connosco a fragilidade humana para a transformar com a força da sua ressurreição. N’Ele, morto e ressuscitado para a nossa salvação, encontram plena luz os exemplos de fé que marcaram estes dois mil anos da nossa história de salvação.
Pela fé, Maria acolheu a palavra do Anjo e acreditou no anúncio de que seria Mãe de Deus na obediência da sua dedicação (cf. Lc 1, 38). Ao visitar Isabel, elevou o seu cântico de louvor ao Altíssimo pelas maravilhas que realizava em quantos a Ele se confiavam (cf. Lc 1, 46-55). Com alegria e trepidação, deu à luz o seu Filho unigénito, mantendo intacta a sua virgindade (cf. Lc2, 6-7). Confiando em José, seu Esposo, levou Jesus para o Egipto a fim de O salvar da perseguição de Herodes (cf. Mt 2, 13-15). Com a mesma fé, seguiu o Senhor na sua pregação e permaneceu a seu lado mesmo no Gólgota (cf. Jo 19, 25-27). Com fé, Maria saboreou os frutos da ressurreição de Jesus e, conservando no coração a memória de tudo (cf. Lc 2, 19.51), transmitiu-a aos Doze reunidos com Ela no Cenáculo para receberem o Espírito Santo (cf. Act 1, 14; 2, 1-4).
Pela fé, os Apóstolos deixaram tudo para seguir o Mestre (cf. Mc 10, 28). Acreditaram nas palavras com que Ele anunciava o Reino de Deus presente e realizado na sua Pessoa (cf. Lc 11, 20). Viveram em comunhão de vida com Jesus, que os instruía com a sua doutrina, deixando-lhes uma nova regra de vida pela qual haveriam de ser reconhecidos como seus discípulos depois da morte d’Ele (cf. Jo 13, 34-35). Pela fé, foram pelo mundo inteiro, obedecendo ao mandato de levar o Evangelho a toda a criatura (cf. Mc 16, 15) e, sem temor algum, anunciaram a todos a alegria da ressurreição, de que foram fiéis testemunhas.
Pela fé, os discípulos formaram a primeira comunidade reunida à volta do ensino dos Apóstolos, na oração, na celebração da Eucaristia, pondo em comum aquilo que possuíam para acudir às necessidades dos irmãos (cf. Act 2, 42-47).
Pela fé, os mártires deram a sua vida para testemunhar a verdade do Evangelho que os transformara, tornando-os capazes de chegar até ao dom maior do amor com o perdão dos seus próprios perseguidores.
Pela fé, homens e mulheres consagraram a sua vida a Cristo, deixando tudo para viver em simplicidade evangélica a obediência, a pobreza e a castidade, sinais concretos de quem aguarda o Senhor, que não tarda a vir. Pela fé, muitos cristãos se fizeram promotores de uma acção em prol da justiça, para tornar palpável a palavra do Senhor, que veio anunciar a libertação da opressão e um ano de graça para todos (cf. Lc 4, 18-19).
Pela fé, no decurso dos séculos, homens e mulheres de todas as idades, cujo nome está escrito no Livro da vida (cf. Ap 7, 9; 13, 8), confessaram a beleza de seguir o Senhor Jesus nos lugares onde eram chamados a dar testemunho do seu ser cristão: na família, na profissão, na vida pública, no exercício dos carismas e ministérios a que foram chamados.
Pela fé, vivemos também nós, reconhecendo o Senhor Jesus vivo e presente na nossa vida e na história.
14. O Ano da Fé será uma ocasião propícia também para intensificar o testemunho da caridade. Recorda São Paulo: «Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade» (1 Cor 13, 13). Com palavras ainda mais incisivas – que não cessam de empenhar os cristãos –, afirmava o apóstolo Tiago: «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome”, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. Mais ainda! Poderá alguém alegar sensatamente: “Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé”» (Tg 2, 14-18). 
A fé sem a caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar o seu caminho. De facto, não poucos cristãos dedicam amorosamente a sua vida a quem vive sozinho, marginalizado ou excluído, considerando-o como o primeiro a quem atender e o mais importante a socorrer, porque é precisamente nele que se espelha o próprio rosto de Cristo. Em virtude da fé, podemos reconhecer naqueles que pedem o nosso amor o rosto do Senhor ressuscitado. «Sempre que fizestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40): estas palavras de Jesus são uma advertência que não se deve esquecer e um convite perene a devolvermos aquele amor com que Ele cuida de nós. É a fé que permite reconhecer Cristo, e é o seu próprio amor que impele a socorrê-Lo sempre que Se faz próximo nosso no caminho da vida. Sustentados pela fé, olhamos com esperança o nosso serviço no mundo, aguardando «novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça» (2 Ped 3, 13; cf. Ap 21, 1).
15. Já no termo da sua vida, o apóstolo Paulo pede ao discípulo Timóteo que «procure a fé» (cf. 2 Tm 2, 22) com a mesma constância de quando era novo (cf. 2 Tm 3, 15). Sintamos este convite dirigido a cada um de nós, para que ninguém se torne indolente na fé. Esta é companheira de vida, que permite perceber, com um olhar sempre novo, as maravilhas que Deus realiza por nós. Solícita a identificar os sinais dos tempos no hoje da história, a fé obriga cada um de nós a tornar-se sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo. Aquilo de que o mundo tem hoje particular necessidade é o testemunho credível de quantos, iluminados na mente e no coração pela Palavra do Senhor, são capazes de abrir o coração e a mente de muitos outros ao desejo de Deus e da vida verdadeira, aquela que não tem fim.
Que «a Palavra do Senhor avance e seja glorificada» (2 Ts 3, 1)! Possa este Ano da Fé tornar cada vez mais firme a relação com Cristo Senhor, dado que só n’Ele temos a certeza para olhar o futuro e a garantia dum amor autêntico e duradouro. As seguintes palavras do apóstolo Pedro lançam um último jorro de luz sobre a fé: «É por isso que exultais de alegria, se bem que, por algum tempo, tenhais de andar aflitos por diversas provações; deste modo, a qualidade genuína da vossa fé – muito mais preciosa do que o ouro perecível, por certo também provado pelo fogo – será achada digna de louvor, de glória e de honra, na altura da manifestação de Jesus Cristo. Sem O terdes visto, vós O amais; sem O ver ainda, credes n’Ele e vos alegrais com uma alegria indescritível e irradiante, alcançando assim a meta da vossa fé: a salvação das almas» (1 Ped 1, 6-9). A vida dos cristãos conhece a experiência da alegria e a do sofrimento. Quantos Santos viveram na solidão! Quantos crentes, mesmo em nossos dias, provados pelo silêncio de Deus, cuja voz consoladora queriam ouvir! As provas da vida, ao mesmo tempo que permitem compreender o mistério da Cruz e participar nos sofrimentos de Cristo (cf. Cl 1, 24) , são prelúdio da alegria e da esperança a que a fé conduz: «Quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor 12, 10). Com firme certeza, acreditamos que o Senhor Jesus derrotou o mal e a morte. Com esta confiança segura, confiamo-nos a Ele: Ele, presente no meio de nós, vence o poder do maligno (cf. Lc 11, 20); e a Igreja, comunidade visível da sua misericórdia, permanece n’Ele como sinal da reconciliação definitiva com o Pai.
À Mãe de Deus, proclamada «feliz porque acreditou» (cf. Lc 1, 45), confiamos este tempo de graça.


Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 11 de Outubro do ano 2011, sétimo de Pontificado.