A
Eucaristia: o dom recebido
É de
fundamental relevância o momento da recepção do sacramento eucarístico. Este
exige do fiel comungante uma atitude receptiva, pois a Eucaristia foi, é e será
o dom recebido. É o dom, e não apenas um dom. A Eucaristia encerra todos os
dons, pois condensa sacramentalmente a presença real de Nosso Senhor, isto é, o
próprio autor de todo dom, de toda graça. A Eucaristia é sempre recebida,
oferecida, transmitida e isso acontece ao Pai, pelo Filho, no Espírito Santo.
A posição
de joelhos como um gesto cristológico
A
tradição multissecular da Igreja sempre compreendeu que a forma de comungar é
de joelhos e na boca. O então cardeal Joseph Ratzinger, em seu livro introdução
ao espírito da liturgia diz: “A posição de joelhos não é apenas um gesto
cristão, mas também um gesto cristológico”. Nos ajoelhamos para
receber a eucaristia porque é um gesto cristológico, isto é, não é algo
exterior somente, mas algo profundamente cristológico, que nos aproxima do
Cristo vivo. Quem se ajoelha diante da eucaristia rompe com o
orgulho e humildemente reconhece que ali está quem é maior.
Muitos
questionam o gesto de ajoelhar, como se pervertesse o sentido de que Deus se
fez simples, como uma exacerbação, um exagero. Ora, o que fazemos diante dos
pequenos? não nos rebaixamos a eles? Quando conversamos ou abraçamos as
crianças, nos rebaixamos para que elas sejam elevadas, para que elas sejam
dignificadas e não rebaixadas pela nossa maior estatura. O Deus que se
rebaixou, que se despojou de sua glória nos dignificou. Qual o nosso gesto
diante da grandeza que recebemos? Nos ajoelhamos diante da Eucaristia, porque
Deus se fez um de nós, justamente porque ele se rebaixou. A atitude
diante da kénosis de Deus é também a kénosis do humano. Se Deus
deixou a sua glória para nos elevar, nós também fazemos como Ele, nos
rebaixamos porque reconhecemos que é dele que provém toda glória.
A
dimensão pascal do gesto de ajoelhar-se
Se
pensarmos que a glória foi-nos dada por meio do mistério pascal, e por isso
devemos permanecer de pé, pois estamos ressuscitados, esvaziamos o sentido de
elevação pela humilhação que a própria páscoa é. Cristo se humilhou para nos
elevar, sem o sentido de rebaixamento não podemos viver como ressuscitados, não
há ressurreição sem morte. Na liturgia vivemos o mistério pascal que consiste
em morte e ressurreição; quando nos colocamos em pé é evidenciado o sentido de
ressurreição, quando nos colocamos de joelhos é evidenciado o sentido de morte,
de despojamento, de humildade. Não há dicotomia entre morte e ressurreição.
É um
verdadeiro absurdo não se ajoelhar em uma celebração eucarística; contradiz o
real significado da páscoa que é atualizada por meio do sacramento
eucarístico. A atitude obediente de se ajoelhar nos momentos
específicos, que a piedade eucarística ao longo dos séculos desenvolveu, é
profundamente consonante com a riqueza litúrgica e espiritual da fé católica
(Lex orandi, Lex credendi: a lei da oração é a lei da fé). Por
isso todos os fiéis são chamados a se ajoelharem diante da Eucaristia, seja no
momento da consagração, seja na recepção das sagradas espécies ou da exposição
do Santíssimo Sacramento, ao passar diante do sacrário, etc. Todos são
chamados, e não obrigados. A Igreja não ensina a estrita obrigação,
mas chama à obediência livre e consciente de suas normas litúrgicas.
Além de ser uma norma litúrgica, a posição de joelhos é uma manifestação da fé
no Cristo presente na Eucaristia. Quando se reconhece essa presença
real, a posição de joelhos flui naturalmente pela razão e sobrenaturalmente
pela graça. Ajoelhar-se não é somente um ato de fé, mas a união entre
fé e razão. Se ajoelha quem reconhece pela fé e a razão Deus, sua presença, sua
divindade, sua santidade e também, sua humanidade em Jesus Cristo.
A
Liturgia Cósmica: de joelhos aos pés do Senhor
O papa
nos diz em sua introdução ao espírito da liturgia que: “a liturgia cristã é
liturgia cósmica, precisamente porque se ajoelha perante o Senhor crucificado e
elevado”. Estar de joelhos é um gesto cósmico, isto é, quem se ajoelha aos pés
do Senhor, se une com todo o cosmos, pois é Ele o criador. Diz ainda: “O gesto
humilde com que caímos aos pés de Jesus, insere-nos na verdadeira órbita do
Universo”. Sem dúvida, quando se ajoelha acontece uma verdadeira inserção na
órbita do universo, ou seja, no movimento da criação. Hoje, muitos cristãos
buscam essa inserção por meio de outras espiritualidades provindas de religiões
orientais que focalizam a união com o cosmos; por meio da tradição
cristã, se entra perfeitamente na ordem da criação, na comunhão com o criador,
dispensando qualquer elemento não cristão. A liturgia católica não
carece em nada de aspectos cósmicos, pois ela mesma é liturgia cósmica.
A
tradição litúrgica da recepção da comunhão na boca e de joelhos
Ao longo
de dois mil anos, a Igreja encontrou uma expressão ritual para testemunhar sua
fé e seu amor ao sacramento eucarístico. A partir do século VI a Igreja começou
a distribuir a comunhão diretamente na boca dos fiéis de joelhos. Isso ocorreu
devido ao desenvolvimento orgânico da liturgia ao longo dos séculos, não como
uma deturpação como dizem alguns liturgistas. A comunhão na boca e de joelhos é
atestada pelos Santos Padres da Igreja dos primeiros séculos.
Portanto,
a posição de joelhos é um gesto tradicional na liturgia católica, profundamente
cristológico, que insere o ser humano na ordem divina, na comunhão com Deus.
Pe.
Leandro Luis Bernardes