Homilia de Corpus Christi Papa Bento XVI
Um presente para você, meu Leitor: a estupenda homilia de Bento XVI no Corpus Christi deste ano. Graças a Deus pelo nosso Santo Padre! Com uma simplicidade e clareza impressionantes coloca o dedo na ferida e mostra o caminho da cura! Não às liturgias barulhentas, autocelebrativas da comunidade! Sim ao espaço para o Senhor, para o sagrado, para o silêncio e a respeitosa e amorosa adoração. Chega de cristianismo vulgar, barulhento e vazio, que não gera santos nem comprometidos, mas somente infantis de rasa vida espiritual!
Esta tarde gostaria de meditar convosco sobre dois aspectos do Mistério eucarístico, entre eles relacionados: o culto da Eucaristia e a sua sacralidade. É importante retomá-los em consideração para preservá-los de visões incompletas do próprio Mistério, como as que se verificaram num passado recente.
Antes de tudo, uma reflexão sobre o valor do culto eucarístico, em especial da adoração ao Santíssimo Sacramento. É a experiência que também esta tarde nós viveremos depois da Missa, antes da procissão, durante sua realização e ao seu final. Uma interpretação unilateral do Concílio Vaticano II penalizou esta dimensão, restringindo na prática a Eucaristia ao momento celebrativo.
Com efeito, foi muito importante reconhecer a centralidade da celebração, em que o Senhor convoca o Seu povo, o reúne em torno da dúplice mesa da Palavra e do Pão da vida, nutre-o e o une a Si na oferta do Sacrifício. Esta valorização da assembleia litúrgica em que o Senhor atua e realiza o Seu mistério de comunhão, permanece naturalmente válida, mas deve ser reinserida no justo equilíbrio.
Com efeito, como muitas vezes acontece, para destacar um aspecto se acaba por sacrificar outro. Neste caso, a justa acentuação dada à celebração da Eucaristia foi em detrimento da adoração, como ato de fé e de oração dirigido ao Senhor Jesus, realmente presente no Sacramento do altar. Esse desequilíbrio teve repercussões também na vida espiritual dos fiéis. De fato, concentrando toda a relação com Jesus Eucaristia somente no momento da Santa Missa, corre-se o risco de esvaziar de Sua presença o restante do tempo e o espaço existencial.
E, assim, se percebe menos o sentido da presença constante de Jesus no meio de nós e conosco, uma presença concreta, próxima, entre as nossas casas, como “coração pulsante” da cidade, do país, do território com as suas várias expressões e atividades. O Sacramento da caridade de Cristo deve permear toda a vida cotidiana.
Na realidade, é errado contrapor celebração e adoração, como se estivessem em concorrência uma com a outra. É justamente o contrário: o culto do Santíssimo Sacramento constitui como que o “ambiente” espiritual dentro do qual a comunidade pode celebrar bem e em verdade a Eucaristia. Somente se for precedida, acompanhada e seguida por essa atitude interior de fé e de adoração, a ação litúrgica poderá expressar seu pleno significado e valor.
O encontro com Jesus na Santa Missa se realiza real e plenamente quando a comunidade é capaz de reconhecer que Ele, no Sacramento, habita a Sua casa, nos aguarda, nos convida à Sua ceia e, a seguir, depois que a assembleia se desfaz, permanece conosco, com a Sua presença discreta e silenciosa, e nos acompanha com a sua intercessão, continuando a recolher os nossos sacrifícios espirituais e a oferecê-los ao Pai.
A este propósito, agrada-me ressaltar a experiência que viveremos juntos nesta tarde. No momento da adoração nós estamos todos no mesmo plano: de joelhos diante do Sacramento do Amor. Os sacerdócios comum e o ministerial encontram-se unidos no culto eucarístico. É uma experiência muito bela e significativa, que vivemos diversas vezes na Basílica de São Pedro e também nas inesquecíveis vigílias com os jovens – lembro, por exemplo, as de Colônia, Londres, Zagreb e Madri.
É evidente a todos que esses momentos de vigília eucarística preparam a celebração da Santa Missa, preparam os corações ao encontro, de modo que isso resulta ainda mais frutuoso. Estar todos em silêncio prolongado diante do Senhor presente no seu Sacramento é uma das experiências mais autênticas do nosso ser Igreja, que acompanha de modo complementar a celebração da Eucaristia, ouvindo a Palavra de Deus, cantando, aproximando-nos juntos à ceia do Pão da Vida.
Comunhão e contemplação não se podem separar, vão juntas. Para entrar em comunhão realmente com outra pessoa devo conhecê-la, saber estar em silêncio ao seu lado, ouvi-la, olhá-la com amor. O verdadeiro amor e a verdadeira amizade vivem sempre desta reciprocidade de olhares, de silêncios intensos, eloquentes, repletos de respeito e de veneração, de modo que o encontro seja vivido profundamente, de modo pessoal e não superficial.
E, infelizmente, se falta esta dimensão, também a própria comunhão sacramental pode se tornar, da nossa parte, um gesto superficial. Ao invés, na verdadeira comunhão, preparada pelo colóquio da oração e da vida, nós podemos dizer ao Senhor palavras íntimas, como as que ressoaram agora a pouco no Salmo responsorial: “Sou Teu servo, filho de Tua serva, rompeste os meus grilhões. Vou Te oferecer um sacrifício de louvor, invocando o nome do Senhor” (Salmo 115, 16-17).
Agora gostaria de passar brevemente ao segundo aspecto: a sacralidade da Eucaristia. Também aqui sofremos no passado recente uma certa incompreensão da mensagem autêntica da Sagrada Escritura. A novidade cristã quanto ao culto foi influenciada por uma mentalidade sacularizada dos anos 60 e 70 do século passado. É verdade, e permanece sempre válido, que o centro do culto já não está mais nos ritos e nos sacrifícios antigos, mas no próprio Cristo, na Sua pessoa, na Sua vida, no Seu mistério pascal.
E, todavia, desta novidade fundamental não se deve concluir que o sagrado não existe mais, mas que encontrou sua realização em Jesus Cristo, amor divino encarnado. A Carta aos Hebreus, que ouvimos esta tarde na segunda leitura, nos fala justamente da novidade do sacerdócio de Cristo, “sumo sacerdote dos bens vindouros” (Hb 9,11), mas não diz que o sacerdócio acabou. Cristo “é mediador de uma nova aliança” (Hb 9,15), estabelecida no Seu sangue, que purifica “a nossa consciência das obras mortas” (Hb 9,14).
Ele não aboliu o sagrado, mas o levou ao cumprimento, inaugurando um novo culto, que é sim plenamente espiritual, mas que todavia, até que estejamos em caminho no tempo, se serve ainda de sinais e de ritos, que desaparecerão somente ao fim, na Jerusalém celeste, onde não haverá mais nenhum templo. Graças a Cristo, a sacralidade é mais verdadeira, mais intensa, e, como acontece para os mandamentos, também mais exigente!
Não basta observar o rito, mas se requer a purificação do coração e o envolvimento da vida. Apraz-me também sublinhar que o sagrado possui uma função educativa, e seu desaparecimento inevitavelmente empobrecerá a cultura, de modo particular a formação das novas gerações.
Se, por exemplo, em nome de uma fé secularizada e não mais necessária de sinais sagrados, fosse abolida esta procissão urbana de Corpus Domini, o perfil espiritual de Roma resultaria “esvaziado” e nossa consciência pessoal e comunitária se tornaria enfraquecida. Também pensemos em uma mãe e em um pai que, em nome de uma fé dessacralizada, privassem seus filhos de qualquer ritual religioso: na realidade terminariam por deixar o campo livre a tantos substitutos presentes na sociedade de consumo e a outros ritos e outros sinais, que mais facilmente poderiam se tornar ídolos.
Deus, nosso Pai, não fez assim com a humanidade: enviou Seu Filho ao mundo não para abolir, mas para dar cumprimento também ao sacro. No cume desta missão, na última Ceia, Jesus instituiu o Sacramento do Seu Corpo e do Seu Sangue, o Memorial de seu Sacrifício Pascal. Assim fazendo Ele mesmo Se colocou no lugar dos sacrifícios antigos, mas o fez dentro de um rito, que mandou aos Apóstolos perpetuar, qual sinal supremo do verdadeiro Sagrado, que é Ele mesmo.
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