Liturgia-Parte 2
Já vimos a definição de Liturgia dada pelo Concílio Vaticano II:
“A liturgia é o exercício do múnus (= da tarefa, do serviço) sacerdotal de
Jesus Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é significada e, de modo
peculiar a cada sinal, realizada a santificação do homem; e é exercido o culto
público integral pelo Corpo Místico de Cristo, Cabeça e membros” (SC 7). No
artigo passado expliquei um pouco essa definição: na liturgia o Cristo total (a
Cabeça, que é Cristo no céu, e o seu Corpo, que é a Igreja na terra) apresenta
ao Pai no Espírito Santo o culto de louvor, adoração, súplica e ação de graças
pelo mundo inteiro. Esse culto litúrgico é público, é o culto de todo o povo de
Deus. Nenhum batizado, estando na plena comunhão católica, pode ficar fora da
celebração litúrgica. Por isso mesmo, é necessário muito cuidado com as missas
de grupos: missa dos jovens, das crianças, dos neo-catecumenais, missa desse ou
daquele movimento... Não! A missa é sempre de todos, é sempre da comunidade, é
sempre de toda a Igreja. Pode ser uma missa animada pelos jovens, uma missa que
envolva mais as crianças, uma missa cujas tarefas sejam realizadas por este ou
aquele grupo, mas nunca é missa “do” grupo. Ela é sempre de todos os batizados
que desejarem dela participar, missa do povo de Deus. O mesmo seja dito dos
demais sacramentos: devem-se dar prioridade e preferência às celebrações
comunitárias. Por exemplo: o ideal é que as celebrações do Batismo sejam
comunitárias; do mesmo modo, enquanto possível, também as missas pelos fiéis
defuntos. Somente em casos especiais, justifica-se uma missa em horário
especial por aquele fiel defunto em particular. Essa idéia de celebração privada dos
sacramentos deve ser superada, pois agride a própria noção de liturgia. Aí, o
particular, o privado, será sempre uma exceção, nunca a regra!
Exatamente por ser de todos, ser da Igreja toda e de todos os
tempos, a liturgia não pode ser manipulada. Ainda que se tratasse de um grupo
de cinco pessoas celebrando, tal celebração é da Igreja toda e envolve a Igreja
toda, de modo que deve ser celebrada segundo as normas da Igreja. É muito
importante compreender isso - e muitas vezes vou repetir: ninguém tem o direito
de manipular a liturgia. E isso vale para o Papa, para os Bispos, para os
padres, diáconos, religiosos e leigos! Além do mais, a liturgia não é
propriedade particular, não é produto nosso; ela é da Igreja, que a recebe como
um dom de Deus em Jesus
Cristo e nos é dada para que a celebremos. Ora, se fôssemos
nós que a fabricássemos, se pudéssemos manipulá-la a bel prazer, então somente
celebraríamos a nós mesmos! Pensemos bem: celebrar as ações litúrgicas é entrar
no Santo dos Santos, é entrar no Mistério de Deus, ali, onde ele nos dá sua
própria vida, sua própria santidade: a vida que brota do seio do Pai e nos é
dada pelo Filho feito homem na potência do Santo Espírito. E tudo isso se faz
palpável nos ritos, nos elementos, nos gestos, nas palavras, nos objetos, nas
pessoas, no ambiente que compõem a celebração. Por esse motivo é que a Igreja
tem tanto cuidado em normatizar e determinar claramente tudo quanto diz
respeito à sua liturgia. Ali Deus se manifesta! A liturgia não é uma coisa
nossa, a disponível à nossa manipulação, à nossa criatividade! Uma liturgia
fabricada por nós não é liturgia, é um evento social: pode alegrar, distrair,
dar sensação de bem-estar, mas jamais nos dará a vida divina, a vida de Deus! É
importante que compreendamos que os próprios livros litúrgicos da Igreja (o
missal, o livro dos sacramentos, o livro das leituras, os volumes do ofício
divino) não são inventados por um grupo de técnicos em liturgia. Eles são
a síntese e a depuração através dos séculos do que melhor foi nascendo na vida
da Igreja ao longo desses dois mil anos. Cada rito, cada gesto, cada palavra,
cada oração tem seu sentido, sua história, sua razão de ser. Seria uma
arbitrariedade tremenda que um padre ou uma comunidade tomasse isso como se
fosse propriedade privada e fizesse do seu modo!
Além do mais, é necessário compreender que a liturgia é rito, rito
religioso. Rito não se inventa, não se cria. Jesus celebrou cumpria fielmente
os ritos judaicos... O belo do rito é que ele tem a sua função e a sua força
precisamente na repetição. Quando um cristão vai à missa, vai para celebrar a
páscoa de Cristo, tornada presente no seu sacrifício, celebrado e oferecido em
nosso altares. Um católico não vai à missa esperando novidades ou criatividades
do padre, não vai ver o show do sacerdote nem a euforia da comunidade. Não se
vai à missa perguntando: “O que teremos hoje de novidade, de teatro, de
dramatizações, de palmas?” A novidade é e será sempre Cristo, oferecido em
sacrifício e dado em comunhão para o louvor de Deus e para a vida do mundo!
Vai-se à missa sabendo-se exatamente que ritos, que palavras, que gestos, lá
serão encontrados – e é aí que cada um traz sua vida, suas esperanças, suas
tristezas, desafios e preocupações para colocar no coração de Deus. O que é
lindo numa celebração é que, exatamente pelo respeito às normas, todos podem aí
se encontrar na paz do Mistério de Deus: quem está triste ou alegre, quem vai
suplicar ou agradecer, quem se sente sereno ou angustiado; todos, na comunhão
do rito, colocam-se diante de Deus, que vem misericordiosamente ao nosso
encontro. Assim, o rito litúrgico torna-se ambiente de paz, de encontro com
Deus no seu Mistério, que renova a vida, dá sentido à existência e nos enche
daquela plenitude que só Deus pode nos conceder. E o rito cristão é real
porque, tendo sido instituído pelo Senhor ao ritualizar na Última Ceia o seu
mistério pascal, foi desenvolvido no seio da Igreja e da fé da Igreja, geração
após geração e é pleno do Santo Espírito, que torna presente no aqui em o agora
da nossa vida ação salvífica de Deus através de Jesus Cristo. Então, a liturgia
é sagrada, a liturgia é santa, a liturgia antes de ser nossa, é de Deus, antes
de ser desta comunidade é da Igreja toda e de todos os tempos!
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